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As origens dos layouts das plantas baixas dos imóveis de hoje.
“A família nuclear com pai, mãe e filhos já era menos da metade em 2005″, afirma o arquiteto Fábio Queiroz, do Nomads. A Síntese dos Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que, entre 1995 e 2005, na Região Sudeste, o porcentual de famílias com essa formação caiu de 56,6% para 48,5%. “Tivemos ainda uma revolução nas relações familiares e nos costumes, enquanto as plantas continuam obedecendo ao modelo consolidado na Belle Époque (fim do século 19 até a 1ª Guerra Mundial)”, conta.
Esse modelo segue os padrões de comportamento da época: de negação da rua, em que a família e as mulheres viviam isoladas do convívio com estranhos e os empregados deveriam cumprir suas tarefas sem incomodar. “A origem da copa vem desse costume. Em francês, se chama ‘office’ e era o cômodo de ligação entre a área da família e a de serviços, chamada de área de rejeição”, explica Queiróz. Apenas a dona da casa se dirigia ao local, para dar ordens ao empregado mais graduado, e jamais entrava na área de rejeição ? a dos trabalhadores.
A posição da copa entre a área de serviço e a sala de estar se mantém até os nossos dias. “Hoje, já não é mais comum separar a sala de jantar da de estar, mas o desenho continua o mesmo. A cozinha ou está nos fundos do apartamento ou em um corredor e sempre termina na área de serviço. Só que hoje, cozinhar não é mais uma atividade cotidiana”, diz.
Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, o almoço cotidiano acontece cada vez mais na rua e se deixa para cozinhar nos finais de semana, como uma forma de convívio com a família e amigos. “A moda gourmet surge dessa mudança, assim como as cozinhas integradas e as varandas gourmets. Mas essa é uma solução mercadológica, pois a sua localização na planta não muda”, diz.
A cozinha integrada, ou de Frankfurt, é resultado de uma revisão da cozinha ocorrida na Europa com o movimento moderno. “É compacta, prática e fica no centro da casa. Inclui quem está cozinhando, que pode controlar o movimento da casa.”
Marketing - Sobre as varandas gourmets, Queiróz afirma: “Ter um espaço aberto e amplo, equipado para receber os amigos, é um dos mais caros desejos da grande maioria dos compradores. Nos apartamentos-modelo, essas varandas são decoradas para seduzir o cliente, mas dificilmente irão cumprir esse papel”, garante o pesquisador.
Segundo Queiróz, a decoração em geral usa materiais de acabamento e equipamentos de altíssimo padrão em unidades voltadas para um público, no máximo, de classe média, que não terá condições de montá-la daquela maneira. “Além disso, em São Paulo há o problema da fuligem e do barulho e também da vista, que na maioria das vezes não é agradável”, afirma. O resultado é que o comprador acaba fechando a varanda, o que além de ilegal pode criar problemas de ventilação, reduzindo a qualidade da moradia. “E aquele desejo permanece um sonho.”
O arquiteto diz que a varanda é uma jogada de marketing porque a verdadeira razão da sua existência nos projetos modernos é uma questão de mercado. “O código de obras de São Paulo não considera a metragem da varanda como área útil para os cálculos de aproveitamento do terreno. Assim, se ela tem 25 m², a cada dez unidades ganham-se 250 metros quadrados de área possível”, explica. Em prédios com apartamentos de 50 metros quadrados, isso significa quatro unidades a mais.
É preciso ressaltar que o fechamento desse espaço é ilegal e pode gerar multas e uma ordem de abri-la novamente, caso o imóvel seja alvo de vistoria dos técnicos da Prefeitura. “Só que raramente isso acontece e muitos corretores usam essa possibilidade, de aumentar os espaços fechando a varanda, como argumento de venda”, conta.
Encontrar um desenho que atenda às necessidades atuais da família e se enquadre nas condições do mercado, com restrições de custo e de espaço, é o maior desafio da arquitetura, na opinião de Fábio Queiróz, pesquisador do Nomads.usp.
Mudança - “A estrutura oitocentista não funciona numa área tão pequena. O quarto hoje tem que abrigar TV, computador, mesa de estudo, além da cama e isso é inviável em seis metros quadrados, que é a metragem média dos projetos”, afirma.
O mesmo ocorre com o banheiro, hoje confinado em 1,5 metro quadrado, insuficiente até mesmo para a sua função básica. “E as pessoas gostam de se trocar e se arrumar no banheiro, que para isso deve guardar uma série de equipamentos e materiais.”
Queiróz propõe a criação de espaços com vários usos, o que pode ser facilitado com a adoção de modernos sistemas de automação. “É possível criar um projeto que proponha o uso de painéis móveis, por exemplo, e testar a posição da cozinha. O problema é que o mercado tem resistência, pois teme ter dificuldades na venda”, diz.
Segundo o arquiteto, essas experiências são mais comuns no exterior (algumas delas ilustram essa página), inclusive para habitações populares. “No Brasil, temos apenas experiências de flexibilização de plantas, que não muda muita coisa, pois o espaço é pequeno. Não dá para fugir do padrão em 70, 50 metros quadrados”, diz. A casa dos sonhos ainda permanece um sonho.
A residência brasileira guarda o índio e o europeu - Uma habitação tem um programa de necessidades, de onde surge uma lista de cômodos, hoje com no mínimo 20 itens.”É essa lista que define a planta”, ensina o arquiteto Carlos Lemos, professor da pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e conselheiro do Museu da Casa Brasileira.
Na casa do índio, as primeiras no Brasil, existem dezenas de superposições de funções em um mesmo espaço. “Esse programa foi a base da casa dos bandeirantes, que eram mamelucos”, conta. Acrescida de elementos da planta europeia, determinada por regras da Igreja Católica e do Código Civil europeu. “Por exemplo, os breves papais impediam que se exercesse qualquer procedimento católico no âmbito familiar. Os oratórios e capelas deveriam ser separados e com acesso independente”, explica. Além disso, usos e costumes de origem árabe segregavam a mulher, determinando a separação do quarto de hóspedes, para hospedagem dos viajantes, hábito comum. Por isso, surgiu o alpendre central, com a capela à direita e o quarto de hóspedes à esquerda. “A alcova é resultado da moral cristã”, diz o professor.
A grosso modo, esse tipo de moradia persistiu no Brasil rural até o Império. No século 19, com a entrada do dinheiro vindo da venda de borracha, cana-de-açúcar e sobretudo do café, houve uma modernização desse programa.
Divisão - “Veio a moda do morar à francesa, introduzido por Ramos de Azevedo, que obedecia ao programa com três zonas de funções definidas: repouso, social e de serviços, que tem como coração a cozinha.”
A planta deveria satisfazer esse programa e prever uma circulação em que se pudesse ir de uma zona a outra sem passar na terceira. Para facilitar, surgiu o vestíbulo (ou hall), um cômodo de passagem com saída para as três zonas. “Esse esquema durou até a chegada da arquitetura moderna, que não gosta muito disso. Então até certo ponto, voltou a satisfazer o programa antigo, de áreas superpostas”, conta.
A existência de plantas à moda francesa, hoje, segundo o professor, é determinada pelo comodismo. “Primeiro tinha os escravos e, depois, as empregadas domésticas, que faziam as tarefas chatas.”
No que diz respeito aos hábitos, hoje tudo ficou diferente. “A família não se reúne, nem nas refeições. Os filhos ficam confinados nos quartos, onde cada um tem o seu inferninho particular”, diz Lemos. Para evitar conflitos, tem-se de separar o ambiente de cada um, gerando uma dispersão na família.
O professor diz que há tolerância à superposição de funções, diferente entre as classes sociais. “As casas autoconstruídas pelas famílias de operários sobrepõe estar e serviço, enquanto a classe média alta, aceita a sobreposição do ambiente de repouso com o social.”
FONTE: Revista ZAP Imóveis e sites - O gestor imobiliário e MarketingImob